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Os Rosa-Cruzes Essenciais - Sédir


Tradução do Capítulo II, págs. 21-26 de Les Rose-Croix, de Sédir, Bibliothèque des Amitiés Spirituelles, Paris.

Há seres sedentos de amor e de sacrifício que, após séculos e séculos de lutas e obras, alcançado o ápice da Ciência e do Poder, reintegrados misticamente no esplendor original de sua condição de homens, não podem suportar o espetáculo doloroso de seus irmãos ainda perdidos nos laços da paixão e ignorância. Isso os leva a serem reenviados à Criação e a participarem novamente de suas dores e de suas tentações. São missionários, os apóstolos, os místicos puros, os verdadeiros Rosa-Cruzes. Ruysbroek, o Admirável, os chama de crianças secretas do Senhor. Sua doutrina é indizível, pois eles professam que não se deve saber nada sem estar antecipadamente convencido da própria ignorância. Seu livro é o Evangelho. Sua prática é a imitação de Jesus Cristo.

Essa teoria e essa prática parecem simples. No entanto, não há nada mais elevado a ser concebido e mais difícil de executar. As mais abstrusas especulações dos metafísicos hindus ou as autoridades mais espantosas de seus yogues desaparecem perante a terrível profundidade das máximas e dos ensinamentos evangélicos. Mas esses só podem ser compreendidos por quem já superou, com trabalho e sofrimento, a extremamente limitada natureza humana. Falar dos Rosa-Cruzes é coisa por pouco quase impossível. Eles formam uma organização invisível. Não deram eles a si mesmos o qualificativo de “invisíveis”? Cavaleiros do Espírito, eles nada revelam a não ser o Espírito, eles não podem ser conhecidos a não ser pelo Espírito. O Espírito é livre de toda limitação, os eleva além de toda contingência. Ele lhes nutre, lhes inspira, lhes conforta. Ele lhes ressuscita após cada uma das mortes inumeráveis que constituem a existência na relatividade dos apóstolos de Deus e de Seu Cristo. Vivendo do Absoluto, eles vivem no Absoluto.

Eles próprios nos fazem compreender o mistério da união espiritual entre os irmãos através do espaço e do tempo, da união espiritual com seus pares e êmulos (1), discípulos do mesmo Mestre, devotados ao mesmo apostolado. Conforme o que o Cristo disse aos seus discípulos: “Onde eu estiver, vós aí estareis”. Mas do mesmo modo que o homem sabe apenas captar a divindade em sua manifestação, os homens não podem perceber os Rosa-Cruzes, mensageiros divinos, à não ser em suas manifestações.

“É sempre em um período crítico que se ouve falar neles. Eles chegam à época e no país onde uma forma social, tendo atingido sua completa realização, tende já a se alterar; quando os esforços lentos e contínuos do espírito humano, em vez de convergirem, como o tinham feito até então, na constituição e na afirmação de um organismo social, de um dogma religioso, de uma síntese científica, começam a divergir e abalam o edifício construído pelas gerações precedentes” (2).

Seu nome é o de sua função.

Eles podem, se quiserem, ser invisíveis aos homens e incógnitos; se eles o desejarem, podem viver no meio dos homens e como eles; são livres, mas de todo o modo, se apresentam àqueles a quem vieram socorrer. Adotam os costumes dos países onde se encontram. E, com efeito, podem viver no meio dos homens sem risco de serem identificados; apenas seus pares os reconhecem por uma certa luz interior. O Cristo disse: “O mundo não vos conhece”. É por isso que, quando eles mudam de país, mudam também de nome (3). Eles podem se adaptar a todas as condições, a todas as circunstâncias, falar a cada um em sua língua.

Eles agem a fim de que o que eles têm a dizer ao mundo seja dito. Aqueles que escrevem ou falam seu nome exprimem tão fielmente quanto podem os pensamentos, as inspirações que lhe são transmitidas pela via espiritual. Do mesmo modo, esses arautos do Absoluto não inspiram seus apologistas quando eles só se preocupam em refutar seus detratores. Esses, como aqueles, se comportam de acordo com os que são capazes de ver a luz que têm diante de si. “Estrangeiros e viajantes na terra” (4), não desejam nada do mundo, nem beleza, nem glória, nada além de fazer a vontade de Deus, eles querem levar os fardos dos fracos, reanimar os mornos, restabelecendo por toda a parte a harmonia. Eles passam e o deserto torna-se um prado; eles falam e os corações se abrem ao apelo do Divino Pastor. Eles preparam o caminho para Aquele que deve vir.

Mas quem conhecerá as fadigas, quem enumerará os martírios sempre desconhecidos que aceitam, em seu imenso amor, esses pastores do Pai, para reconduzir as ovelhas indóceis que somos? O grande Cagliostro o disse nesses termos tocantes: “Eu venho do Norte, da bruma e do frio, abandonando por onde passo alguns pedaços de mim mesmo, me esgotando, me reduzindo a cada etapa, mas vos deixando um pouco de claridade, um pouco de calor, um pouco de força, até que eu seja, enfim, detido e parado definitivamente no fim de minha carreira, na hora em que a rosa florescerá sobre a cruz” (5).

Assim eles têm passado, imperceptíveis, no meio dos homens, para esclarecê-los e levá-los à Vida. Eles são vindos para recordar às criaturas as palavras pronunciadas nos séculos remotos, para despertar nelas o eco, que tinha se extinguido, das vozes que fizeram vibrar antigamente os seus corações. Eles são vindos para trabalhar em prol da renovação espiritual, da obtenção por esforços cotidianos dessa luz que ilumina todo homem vindo ao mundo e que nós repelimos, que nos obscurecemos pelos nossos desejos egoístas. Essa, têm eles dito, é a única via da regeneração individual, da redenção coletiva.

A iniciação Cristã, com efeito, não tem por alvo, como as iniciações do Extremo Oriente, a orientação metafísica de atingir um grau superior de Saber: seu alvo é a Vida. Ora, a Vida é Amor e o pensamento é a imagem invertida da Vida. O Amor é o único intérprete verídico da Verdade; o Amor é a sabedoria suprema, conforme com o que está escrito: “Aquele que ama Deus é aquele que conhece Deus” (1 João, IV, 7).

A organização interior da fraternidade não foi revelada, nem seus segredos. Esses se referiam, exteriormente, à transmutação dos metais, à arte de prolongar a vida, à descoberta de coisas ainda ocultas. Mas os Rosa-Cruzes se davam por magos a fim de mascarar seu verdadeiro pensamento, seu objetivo primordial: a reforma do mundo, da qual eles eram os agentes predestinados. E isso que, por baixo de tudo, espanta o leitor dos escritos rosacruzes. Mais que os procedimentos que eles apresentavam para obter a pedra filosofal ou o elixir do prolongamento da vida, mais que o método que eles preconizavam para atingir a certa fórmula do saber, os Rosa-Cruzes levaram os europeus do século XVII arruinados pela guerra, divididos entre o catolicismo e o protestantismo, desagregados em sua mentalidade pelo espírito de crítica, palavras de concórdia e de apaziguamento. No meio do egoísmo universal, eles recordaram aos homens que eles são irmãos, filhos do mesmo Pai; no meio da anarquia crescente, eles falaram do Libertador, eles repetiram que o Cristo desceu e que Ele retornará para reunir em um só coro Seus serviços dispersos. Eis a mensagem trazida ao mundo pelos Rosa-Cruzes.

ELIAS ARTISTA

A Rosa-Cruz essencial existe desde que há homens sobre a terra. Além do Sol amarelo que nos ilumina, há seis outros sóis ainda invisíveis que fazem viver a terra. Nosso Sol amarelo tem o propósito de produzir a assimilação das funções vitais. Um outro Sol, o Sol vermelho, tem por ofício a construção dos corpos terrestres: ele rege a morfologia, as afinidades físicas, químicas, intelectuais, sociais. Esse Sol vermelho é a residência do ser que Paracelso, o primeiro aqui embaixo, chamou Elias Artista.

Elias Artista é o anjo da Rosa-Cruz. Ninguém pode saber quem ele é, nem aquilo sobre o que ele repousa. Tudo o que se pode dizer é que ele é uma força atrativa, harmonizante e que ele tende a reunir os indivíduos em um só corpo homogêneo. Eis como se expressa Stanislas de Guaita: “Elias Artista é infalível, imortal, além disso, inacessível às imperfeições, como às impurezas e aos ridículos dos homens de carne que se oferecem a manifestá-lo. Espírito de luz e de progresso, ele se encarna nos seres de boa vontade que o evocam. Se eles tropeçam no caminho, eis que o artista Elias não está mais neles”. “Fazer mentir o verbo superior é coisa impossível, ainda que se possa mentir em seu nome. Pois cedo ou tarde ele encontra um órgão digno de si (nem que seja por um minuto), uma boca fiel e leal (nem que seja pelo tempo de pronunciar uma palavra)”.

“Por esse órgão de sua escolha ou por essa boca de coincidência, o que importa? Sua voz se faz ouvir, potente e vibrante dessa autoridade serena e decisiva que empresta ao verbo humano a inspiração do Alto. Assim, são desmentidos na terra aqueles que sua justiça condenou no abstrato”. “Guardemos-nos de falsear o espírito tradicional da Ordem; reprovados no alto na mesma hora, cedo ou tarde seríamos negados aqui em baixo pelo misterioso demiurgo que a Ordem saúda pelo nome: Elias Artista”.

“Ele não é a Luz; mas, como João Batista, sua missão é a de dar o testemunho da Luz da Glória, que deve se irradiar de um novo céu sobre uma terra rejuvenescida. Que ele se manifesta pelos Conselhos fortes e que ele derruba à pirâmide das santas tradições desfiguradas pelas heterogêneas camadas de detritos e de remendos que vinte séculos tem acumulado sobre ela! E que enfim, os caminhos estando por ele abertos para o advento do Cristo glorioso – sua obra estando concluída – desaparecerá na névoa maior o precursor dos tempos vindouros, a expressão humana do santo Paracelso, o daimon da ciência e da liberdade, da sabedoria e da justiça integrais: Elias Artista!” (6).

Por outro lado, se nós quisermos encarar o sacerdócio de Melquisedeque, cujo sacrifício é a prefiguração da Eucaristia, teremos que nos recordar que os sacerdotes “da Ordem de Melquisedeque” constituem não uma ordem social, mas um sacerdócio cujo sacramento, representado pelo pão e pelo vinho, é o sacrifício de si mesmo ao próximo, por amor a Jesus Cristo e pela unidade com Ele. Em nossa opinião, Elias Artista é uma adaptação do Elias bíblico, que deve retornar no fim dos tempos, com Enoque, para desempenhar seu papel de testemunha do binário universal. Seria prematuro dizer quem foi Elias Artista ou quem ele será. Tudo o que é útil saber é que esse nome designa uma forma do Espírito da Inteligência.

É isso que entendiam os Rosa-Cruzes quando eles diziam que no dia C eles se reúnem em um local que se chama o Templo do Espírito Santo. Mas onde é esse lugar? (7) Eles próprios não o sabem, porque, dizem eles, é invisível. Nós nos permitimos indicar aos nossos leitores, se eles quiserem aprofundar o estudo desse tema misterioso, de meditar na história de Enoque, pai simbólico da Rosa-Cruz, inventor da tradição e da ciência e construtor de monumentos dos quais a lenda lhe atribui a paternidade.

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Notas:

(1) O itinerário das viagens de Christian Rosenkreutz indica bem as filiações da fraternidade rosacruciana com outras tradições, principalmente com certos centros instalados no Egito e com certas fraternidades muçulmanas que o pai encontrou em Fez;

(2) L’Évangile de Cagliostro, traduzido do latim para o Francês e publicado pelo Dr. Marc Haven (Lalande), Paris, 1909 - Introdução. Edição espanhola: El Evangelio de Cagliostro, Editorial Humanitas, Barcelona, 1987;

(3) O nome é o símbolo da individualidade;

(4) Hebreus, capítulo XI, versículo 13;

(5) Mémoire pour le Comte de Cagliostro accusé, contre le Procureur Général, Paris, 1786;

(6) Stanislas de Guaita: Essais de Science Maudite – Trilogie, Paris, 1897, 1915, 1949;

(7) Christoph-Stephan Kazauer, resp. J. Ludwig Wolf: Disputatio Historica de Rosaecrucianis, Wittenberg, 1715.

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